BE01: Energia Renovável
A energia provém de fontes renováveis
1. Ambição
Uma empresa Future-Fit garante que toda a energia que consome — sob a forma de eletricidade, calor ou combustível — provém de fontes de energia renovável: solar, eólica, oceânica, hidroelétrica, geotérmica e biomassa.
1.1 O que significa este objetivo
Já não há dúvidas de que o aumento sistemático da concentração de gases com efeito de estufa (GEE) na atmosfera, resultante da queima de combustíveis fósseis, está a contribuir para as alterações climáticas e para a acidificação dos oceanos. Além disso, métodos de extração de combustível cada vez mais arriscados, como a fraturação hidráulica de gás de xisto e a perfuração no Ártico, causam perturbações ambientais desproporcionadas.
Ao garantir que a energia utilizada provém de fontes renováveis, as empresas deixam de contribuir para a procura de combustíveis fósseis e das suas emissões associadas, bem como para a sobreexploração de recursos como o petróleo, cujo valor para a sociedade vai muito além da sua combustão.
Para ser Future-Fit, uma empresa deve assegurar que toda a energia que consome — seja eletricidade, calor ou combustível — provém de fontes de energia renovável: solar, eólica, oceânica, hidroelétrica, geotérmica ou biomassa.
1.2 Porque é que este objetivo é necessário
Tal como todos os Objetivos de Limite Mínimo Future-Fit, este objetivo é essencial para garantir que a empresa não está a comprometer o progresso da sociedade rumo a um futuro ambientalmente restaurativo, socialmente justo e economicamente inclusivo. Para saber mais sobre a base científica destes objetivos — fundamentada em mais de 30 anos de ciência sistémica — consulte o Guia de Metodologia.
As estatísticas seguintes ajudam a ilustrar por que razão é crítico que todas as empresas alcancem este objetivo:
- Os benefícios da queima de combustíveis fósseis têm um custo ambiental elevado. Uma molécula de CO₂ gerada pela queima de combustíveis fósseis irá, ao longo do seu tempo de vida na atmosfera, reter cem mil vezes mais calor do que o calor libertado na sua produção. [23]
- O clima já está a mudar rapidamente. A temperatura média da superfície do planeta aumentou cerca de 1,1°C desde o final do século XIX. A maior parte do aquecimento ocorreu nos últimos 35 anos, sendo que 16 dos 17 anos mais quentes registados ocorreram desde 2001. O ano de 2016 foi o mais quente de sempre, com oito dos doze meses desse ano a registarem os valores mais altos de sempre para esses respetivos meses. [24]
- Os modelos de negócio dos fornecedores de energia baseada em combustíveis fósseis tornar-se-ão obsoletos à medida que forem implementadas políticas climáticas mais rigorosas. Por exemplo, entre 60% e 80% das reservas de carvão, petróleo e gás das empresas cotadas em bolsa são “incombustíveis” se quisermos ter uma hipótese de não ultrapassar um aumento de 2°C na temperatura média global. [25]
1.3 Como este objetivo contribui para os ODS
Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas constituem uma resposta coletiva aos maiores desafios sistémicos do mundo, pelo que estão naturalmente interligados. Qualquer ação pode ter um impacto direto sobre alguns ODS e, indiretamente, sobre outros, através de efeitos de arrastamento. Uma empresa Future-Fit pode ter a certeza de que está a contribuir - e de forma nenhuma a prejudicar - o progresso em direção aos ODS.
As empresas podem contribuir para vários ODS ao utilizarem exclusivamente energia renovável e ao incentivarem ativamente os seus fornecedores a fazer o mesmo. No entanto, as ligações mais diretas, no contexto deste objetivo, são:
| Ligação a este Objetivo de Limite Mínimo | |
|---|---|
| Apoiar esforços para aumentar a quota de energias renováveis no mix energético global; e promover o investimento em investigação, tecnologia e infraestruturas de energia limpa. | |
| Apoiar esforços para integrar medidas de combate às alterações climáticas nas políticas da empresa. |
2. Ação
2.1 Por onde começar
Contextualização
A espinha dorsal da economia atual assenta na combustão de combustíveis fósseis, desde a produção de eletricidade até ao transporte global. Todos os aspetos da vida moderna no mundo ocidental dependem, em alguma medida, da queima de combustíveis fósseis. A eliminação total dos combustíveis fósseis em favor de alternativas renováveis constitui um desafio sistémico de grande escala, e deve ser vista como uma aspiração que inspira os intervenientes e orienta a tomada de decisões.
Deve ser feita uma análise aos inputs energéticos utilizados nas operações da empresa, para compreender quando e como a energia é utilizada, bem como para identificar os atuais contratos e fontes de fornecimento energético. Com base nessa análise, é possível iniciar a medição e a gestão do mix energético, desde a negociação de novos contratos de energia até à produção própria de energia renovável, por meios adequados.
Perguntas a colocar
As seguintes perguntas ajudam a identificar as informações a recolher.
A empresa sabe de onde provém e como utiliza a energia?
- Quais são as principais fontes de energia da empresa (ex.: eletricidade, gasolina)? Onde e como está essa energia a ser utilizada, e trata-se de energia comprada ou produzida pela própria empresa? As utilizações de energia podem incluir, entre outras:
- Energia consumida na produção de bens físicos;
- Energia consumida por edifícios e equipamentos, sejam próprios ou arrendados (ex.: iluminação, aquecimento e computadores);
- Energia consumida por veículos de transporte detidos ou alugados pela empresa;
- Qualquer outra energia consumida para o exercício da atividade empresarial.
- Existem sistemas implementados para gerir e monitorizar o consumo de energia?
A empresa tem uma abordagem formal para o aprovisionamento de energia?
- A empresa gere e negoceia ativamente, de forma regular, o aprovisionamento de energia junto de fornecedores externos? Procurar ativamente adquirir ou produzir energia renovável está alinhado com as políticas atuais de aquisição de energia?
- Os colaboradores com responsabilidade nesta área compreendem a importância de implementar uma estratégia de aquisição/produção de energia renovável? Se não, o que seria necessário para gerar apoio interno (ex.: elaboração de um caso de negócio ou desenvolvimento de uma campanha de informação)? Que aprovações são necessárias para avançar?
- Foi assumido algum compromisso público no sentido de adotar uma estratégia de energia renovável ou de limitar as emissões de GEE? Se existir uma estratégia para limitar emissões, há oportunidade de integrar uma componente de energia renovável nessa abordagem?
- Os compromissos existentes são suficientes para melhorar a sustentabilidade Future-Fit ao longo do tempo? Se não, de que forma poderão ser complementados ou ajustados?
- Existem operações regionais sujeitas a regulamentos que possam incentivar a adoção crescente de energias renováveis (ex.: os compromissos da União Europeia no âmbito da Estratégia Energética para 2050)?
A empresa realizou uma análise aos seus locais de operação?
- Existe conhecimento, por parte da empresa, sobre o perfil de consumo energético12 e a abordagem de aprovisionamento de energia de cada local sob sua posse ou controlo?
- Quais são os locais com maior consumo de energia? Existem contratos de fornecimento energético que estejam prestes a terminar? No caso de instalações arrendadas, a empresa tem controlo sobre o aprovisionamento de energia ou poderia exercer influência nesse processo?
- Que oportunidades existem, em cada local, para aquisição de energia renovável? Existem locais ou departamentos operacionais com potencial para gerar energia renovável internamente?
Como definir prioridades
As seguintes perguntas ajudam a identificar e a priorizar ações de melhoria.
Quais são as oportunidades com maior potencial de progresso para a empresa?
- Quais os locais, departamentos e atividades que consomem mais energia? Pequenas alterações no mix energético dessas áreas podem ter um impacto global significativamente maior.
- Que aspetos das operações da empresa se encontram em regiões onde a energia renovável é menos prevalente? A geração própria de energia ou o trabalho para integrar energia renovável na rede elétrica regional pode ter um efeito positivo indireto para outras empresas na mesma área.
Quais são os passos mais fáceis de implementar pela empresa?
- Existem locais ou departamentos onde já seja possível gerar energia renovável internamente? Em caso afirmativo, quais apresentam o menor período de retorno do investimento?
- Que partes das operações da empresa estão localizadas em regiões com fornecedores de energia renovável? Como se comparam os custos desses fornecedores com os atuais ou com a alternativa mais barata disponível no mercado?
- Existem operações da empresa localizadas em regiões com regulamentação em vigor, prevista ou possível, que possa afetar o custo ou a disponibilidade de energia não renovável — como taxas de carbono ou mercados de licenças de emissão (cap-and-trade)?
Poderá a empresa ir além do exigido por este objetivo?
- Para além do necessário para atingir este objetivo, existem ações que a empresa possa realizar para garantir que a energia é renovável e acessível a todos?13 Qualquer ação nesse sentido pode acelerar o progresso da sociedade rumo à sustentabilidade Future-Fit. Para mais detalhes, consultar o Guia de Ações Positivas.
A secção seguinte descreve os critérios de aptidão necessários para saber se uma ação específica resultará num progresso em direção à sustentabilidade Future-Fit.
2.2 Prosseguir rumo à sustentabilidade Future-Fit
Introdução
A avaliação da sustentabilidade Future-Fit de uma empresa deve basear-se no consumo total de energia durante o período de reporte. Isto inclui o consumo proveniente de qualquer edifício sob controlo da empresa, ativos móveis (incluindo frotas de transporte) ou departamentos de serviços que utilizem energia. Importa notar que, nos casos em que o aprovisionamento de energia ocorre fora de uma instalação fixa, poderá ser apropriado avaliar esse aspeto operacional separadamente (ex.: uma empresa de construção com equipas que recorrem às redes elétricas locais a operar geradores a combustível, ou a utilizar uma combinação de fontes de energia).
Orientações para garantir que a energia consumida é considerada renovável
Para cumprir este objetivo, a empresa pode adotar uma ou mais das seguintes abordagens:14
- Produzir internamente energia renovável;
- Contratar um fornecedor para gerar energia renovável especificamente para utilização num local pertencente ou controlado pela empresa;
- Adquirir energia renovável diretamente a um produtor de energia, o que é frequentemente designado como contrato de compra de energia (power purchase agreement – PPA);15
- Contratar um fornecedor que assegure que a energia fornecida através da rede e consumida pela empresa seja equivalente, em termos de produção ou aquisição, a energia renovável.16
Importa sublinhar que estas abordagens excluem a utilização de Certificados de Energia Renovável (Renewable Energy Certificates – RECs)17 não associados a um fornecimento físico de energia (unbundled), como forma aceitável de declarar aquisição de energia renovável. Tal deve-se ao facto de esses certificados não refletirem de forma precisa até que ponto o investimento da empresa no aprovisionamento energético contribui efetivamente para a geração de energia renovável. [28] Para mais informações, consultar esta pergunta frequente.
Orientações para determinar a percentagem de energia renovável adquirida através da rede
No caso da eletricidade proveniente da rede (e que não se enquadre em nenhuma das categorias indicadas anteriormente), a empresa deve utilizar a proporção média das fontes de energia que compõem o consumo — ex.: dados sobre o mix energético da região ou a média nacional do mix energético. Estimativas nacionais sobre o mix energético podem, muitas vezes, ser consultadas em sites de entidades governamentais.
Orientações para calcular o consumo total de energia
Para cada tipo de energia, o consumo total deve ser estimado e convertido para um formato consistente, de modo a permitir o cálculo agregado do consumo proveniente de todas as fontes (ex.: em Joules ou quilowatt-hora (kWh)).18 Devem ser documentados os seguintes elementos:
- O(s) método(s) utilizado(s) para determinar cada valor de consumo energético.
- O(s) método(s) utilizado(s) para converter os valores para um formato comum.
3. Avaliação
3.1 Indicadores de progresso
O objetivo dos indicadores de progresso Future-Fit é refletir o grau de evolução de uma empresa no cumprimento de um determinado objetivo. Estes indicadores são expressos em percentagens simples.
Deve procurar-se avaliar a sustentabilidade Future-Fit da empresa em toda a extensão das suas atividades. Em algumas situações, tal pode não ser possível. Nestes casos, deve ser consultada a secção Avaliação e reporte com dados incompletos no Guia de Implementação.
Avaliação do progresso
Este objetivo tem um único indicador de progresso. Para o calcular, devem ser seguidos os seguintes passos:
- Determinar o total de energia consumida durante o período de reporte
- Determinar a quantidade de energia que provém de fontes renováveis.19
- Calcular o progresso como a percentagem de energia consumida que provém de fontes renováveis.
Isto pode ser expresso matematicamente da seguinte forma:
\[F=\frac{E_R}{E_T}\]
Onde:
| \[F\] | F – É o progresso rumo à sustentabilidade Future-Fit, expresso em percentagem. |
| \[E_R\] | ER – É a quantidade de energia consumida proveniente de fontes renováveis. |
| \[E_T\] | ET – É o total de energia consumida durante o período de reporte. |
Para um exemplo de como calcular este indicador de progresso, ver aqui.
3.2 Indicadores de contexto
O objetivo dos indicadores de contexto é fornecer às partes interessadas as informações adicionais necessárias para interpretar de forma completa o progresso de uma empresa.
Energia total consumida
A quantidade absoluta de energia consumida durante o período de reporte é necessária para determinar a sustentabilidade Future-Fit da empresa, pelo que não é exigido qualquer dado ou esforço adicional para calcular este indicador.
Para um exemplo de como reportar os indicadores de contexto, consultar aqui.
4. Verificação
4.1 Para que serve a verificação e porque é importante
Qualquer empresa que esteja a trilhar o caminho da sustentabilidade Future-Fit incutirá mais confiança entre as suas partes interessadas - desde a administração de topo (CEO, CFO) até a investidores externos - se conseguir demonstrar a qualidade dos seus dados e a robustez dos controlos que os sustentam.
Isto é particularmente importante se a empresa pretender comunicar publicamente o seu progresso rumo à sustentabilidade Future-Fit, uma vez que algumas organizações podem exigir uma verificação independente antes da divulgação pública. Ao implementar controlos eficazes e bem documentados, a empresa facilita a compreensão do seu funcionamento por parte de auditores ou avaliadores externos, apoiando a sua capacidade de prestar garantia e/ou recomendar melhorias.
4.2 Recomendações para este objetivo
Os pontos seguintes destacam áreas que merecem especial atenção relativamente a este objetivo específico. Cada empresa e cada período de reporte são únicos, pelo que os processos de verificação e garantia variam: em qualquer situação, os auditores podem procurar avaliar diferentes controlos e evidências documentadas. Por conseguinte, estas recomendações devem ser entendidas como exemplos ilustrativos do que poderá ser solicitado, e não como uma lista exaustiva do que será exigido.
- Documentar os métodos utilizados para garantir que todo o consumo energético operacional foi identificado. Isto inclui eletricidade proveniente de redes locais e energia autogerada, bem como combustíveis (ex.: para aquecimento ou viaturas da empresa). Esta informação permite aos auditores avaliar se existe risco de omissão de algum consumo energético, o que poderia comprometer a exatidão do cálculo do indicador.
- Documentar os métodos utilizados e as fontes consultadas para calcular a percentagem de energia renovável fornecida pelos prestadores de energia, permitindo que os auditores compreendam e verifiquem os dados utilizados nos cálculos dos indicadores.
- O referencial (Benchmark) fornece definições específicas sobre quais as fontes de energia que são consideradas renováveis para este objetivo, e quais não são. Verificar se as classificações adotadas pela empresa estão alinhadas com as orientações do Benchmark. Os auditores poderão usar esta informação para identificar possíveis incoerências nos cálculos dos indicadores.
- Documentar quaisquer taxas de conversão utilizadas para uniformizar as unidades de medida da energia e registar as fontes dessas taxas, permitindo que os auditores confirmem os fatores de conversão aplicados.
Para uma explicação mais geral sobre como conceber e documentar controlos internos, consultar a secção Rumo à sustentabilidade Future-Fit de forma sistemática no Guia de Implementação.
5. Informação adicional
5.1 Exemplo
A ACME Inc. vende produtos de limonada. As suas operações consistem em dois locais: uma fábrica de engarrafamento e um espaço de escritórios. A empresa abastece o seu escritório com energia renovável (num total de 20.000 kWh por ano), e a sua fábrica de engarrafamento é alimentada por energia de origem fóssil (num total de 180.000 kWh por ano).
A empresa pode agora calcular o seu progresso da seguinte forma:
\[F=\frac{E_R}{E_T}=\frac{20,000}{20,000+180,000}=10\%\]
Indicador de contexto
Energia total consumida: 200.000 kWh
5.2 Perguntas frequentes
A energia renovável deve provir apenas de “fontes responsáveis”?
A transição para energia renovável permite às empresas garantir que não estão a contribuir para a emissão de gases com efeito de estufa nem para métodos de extração prejudiciais associados aos combustíveis fósseis. No entanto, as fontes de energia renovável também podem ter efeitos negativos. Por exemplo, a energia hidroelétrica a fio de água é geralmente mais responsável do que a proveniente de mega-barragens, que podem causar impactos ambientais e sociais significativos. De forma semelhante, os painéis solares instalados em telhados ou em terrenos áridos tendem a estar mais bem situados do que as grandes centrais solares construídas em solos que poderiam ser utilizados para cultivo.
Dada a complexidade de interpretar o que significa "fonte responsável" para cada tipo de energia renovável — aliada à dificuldade prática de rastrear se cada joule de energia comprada provém de uma fonte com essas caraterísticas —, não existe uma resposta simples para esta questão. Ainda assim, na medida em que uma empresa possa escolher entre fontes renováveis e identificar os impactos negativos associados a cada uma, deverá sempre procurar utilizar a opção menos problemática.
O que está incluído no conceito de biomassa?
A biomassa é definida como organismos vivos ou recentemente mortos, ou subprodutos de organismos. A energia armazenada na biomassa pode ser libertada para produzir eletricidade ou calor de origem renovável. [29] Qualquer combustível derivado de biomassa é conhecido como biocombustível. Existem três gerações de biocombustíveis. Os biocombustíveis de primeira geração são derivados de biomassa que poderia ser utilizada como fonte alimentar. Exemplos incluem açúcar, amido e óleo vegetal. Os biocombustíveis de segunda geração são obtidos a partir de matérias-primas não alimentares. Exemplos incluem óleo vegetal usado, resíduos florestais e resíduos industriais. Os biocombustíveis de terceira geração são também conhecidos como “combustível de algas”, pois são delas derivados. Estes são considerados os mais benéficos, dado que as algas absorvem dióxido de carbono da atmosfera e não competem com culturas alimentares na utilização do solo. [30]
Porque é que a energia proveniente de desperdício não é considerada uma fonte de energia renovável?
O desperdício residual contém frequentemente uma mistura de materiais biogénicos, como restos alimentares e aparas de madeira, bem como materiais de origem fóssil, como os plásticos. A energia recuperada a partir deste tipo de desperdício é considerada apenas parcialmente renovável. Dada a complexidade de determinar qual é essa percentagem para qualquer fonte específica, assume-se que esta energia não é renovável para os efeitos deste objetivo.
O que são Certificados de Energia Renovável não associados (unbundled) e porque não são aceitáveis?
Numa Sociedade Future-Fit, a energia é renovável e acessível a todos. Uma das implicações é que, nesse futuro, não serão emitidos gases com efeito de estufa (GEE) para a atmosfera como resultado da produção, distribuição e utilização de energia.
Ainda estamos longe de concretizar essa ambição. Existe um grande número de quadros de referência, iniciativas e instrumentos de mercado úteis para orientar a transição dos nossos sistemas energéticos, mas nem todos — por muito bem-intencionados que sejam — promovem um progresso significativo.
Isto deve-se ao facto de os mercados de energia serem particularmente complexos — desde logo porque a energia comprada por uma empresa nem sempre é a mesma energia que esta efetivamente consome. Mesmo que uma empresa opte por uma tarifa de energia renovável, a intensidade carbónica da energia que recebe fisicamente depende da média do mix energético da rede que a abastece. Assim, o nível de emissões de GEE atribuído aos pagamentos de uma empresa raramente corresponde às emissões reais que ocorrem como consequência do seu consumo.
Então, como podemos contabilizar de forma justa as ‘verdadeiras’ emissões de GEE associadas ao consumo de energia adquirida por uma empresa (frequentemente referidas como emissões do Âmbito 2)?
Críticas ao método baseado no mercado
Muitos dos principais quadros de referência e iniciativas permitem uma abordagem atributiva, conhecida como o método baseado no mercado para a contabilização de emissões de GEE.
O método baseado no mercado aplica fatores de emissão20 com base nos contratos financeiros que uma empresa tem para a compra de eletricidade (e não nos fatores de emissão da eletricidade que lhe é efetivamente fornecida). Isto permite que uma empresa que utilize Certificados de Energia Renovável (RECs) ou outros acordos contratuais21 afirme que o seu consumo de eletricidade não causa quaisquer emissões de GEE – podendo assim reportar que reduziu as suas emissões.
O que são Certificados de Energia Renovável?
Quando uma instalação de energia gera eletricidade renovável, recebe um Certificado de Energia Renovável eletrónico, ou REC. Um REC comprova que foi produzido e entregue à rede de distribuição, algures, 1 MWh de energia renovável. Os RECs podem ser comprados e vendidos. A eletricidade gerada e o respetivo REC existem de forma independente, sendo, na prática, dois produtos distintos, com fluxos de receita e valores diferentes. Um REC que é vendido ou comprado separadamente da eletricidade é conhecido como REC não associado (unbundled REC).22
Sempre que uma empresa adquire (ou “recolhe”) um REC, este é retirado de circulação, podendo a empresa reclamar o benefício ambiental a ele associado. Isto significa que uma empresa que compre 500 MWh de eletricidade gerada a partir de carvão pode (de acordo com muitas normas) declarar-se 100% alimentada por energia renovável, se também adquirir 500 RECs. [32]
Uma suposição central que sustenta a “aceitabilidade” da utilização de RECs para reduzir as emissões de GEE do Âmbito 2 é a de que a procura agregada por RECs irá aumentar o investimento na geração de mais energia renovável, substituindo assim a procura por energia com elevada intensidade de GEE (ou seja, proveniente de combustíveis fósseis). Se esta suposição fosse válida, poderíamos contar com a procura por RECs para influenciar a composição da oferta energética e, dessa forma, contribuir gradualmente para a redução das emissões globais de GEE.
No entanto, esta suposição não se confirma na prática. A evidência empírica mostra que a procura por RECs do mercado voluntário23 não influencia a oferta. Isto deve-se ao facto de a quantidade de MWh de energia renovável gerada exceder significativamente a procura de mercado pelos RECs associados.
Por outras palavras, a venda de RECs a consumidores com o objetivo de declarar a compra de energia verde não afeta, na realidade, o tipo de energia que está a ser gerada, vendida e utilizada na rede. [33] [28] [34]
Como resultado, os críticos argumentam que a abordagem baseada no mercado não é nem precisa nem útil. [35] Este argumento é ilustrado de forma clara através do seguinte exemplo hipotético:
“A Empresa A adquire fatores de emissão contratuais para toda a eletricidade de rede, que consome e reporta um valor de zero (0) tCO2e do Âmbito 2 no seu reporte da cadeia de abastecimento, bem como uma redução de 30% nas suas emissões corporativas totais, resultante desta nova classificação de zero emissões do Âmbito 2. Por contraste, a Empresa B — idêntica em todos os outros aspetos — não adquire fatores de emissão contratuais, optando em vez disso por investir o montante equivalente na implementação de um programa de eficiência energética que reduz o seu consumo de eletricidade e as emissões do Âmbito 2 em 10%.
Consumidores e investidores com preocupações climáticas utilizam os relatórios de GEE das duas empresas para fundamentar as suas decisões de compra e investimento, favorecendo a Empresa A, por aparentar ter um desempenho ambiental superior. No entanto, o consumo de eletricidade de rede da Empresa A manteve-se inalterado, a sua aquisição de fatores de emissão contratuais não aumentou a geração de energia renovável e, por isso, as suas ações não contribuíram para a redução de emissões para a atmosfera. Pelo contrário, a Empresa B reduziu a sua procura por eletricidade de rede — parte da qual é fornecida por centrais elétricas a combustíveis fósseis — e, por isso, reduziu de forma credível as emissões para a atmosfera.” [28]
Devido às preocupações acima referidas, os críticos do método baseado no mercado argumentam que as empresas não o devem utilizar para quantificar as suas emissões. Por outro lado, os defensores desta abordagem consideram-na um mecanismo útil através do qual uma empresa pode sinalizar a sua intenção de apoiar a geração de energia renovável.24 [36]
O principal objetivo do Future-Fit Business Benchmark é promover uma mudança com impacto real. Assim, tendo em conta a evidência de que os RECs muitas vezes não resultam numa redução efetiva de emissões de GEE nos mercados atuais, estes não são aqui considerados uma forma aceitável de justificar afirmações sobre o uso de energia renovável.
Bibliografia
Ver, por exemplo, a análise da The Union for Concerned Scientists’ sobre o uso da biomassa como fonte de energia.↩︎
Um perfil de utilização de energia mostra quanta energia está a ser utilizada ao longo de um determinado período, como essa energia está a ser utilizada e de onde é proveniente durante esse período.↩︎
Esta é uma das oito Propriedades de uma Sociedade Future-Fit – para mais detalhes, consultar o Guia de Metodologia.↩︎
Estas abordagens estão alinhadas com os requisitos da iniciativa de liderança Empresarial RE100, com uma exceção relevante: a compra de Certificados de Energia Renovável não associados (unbundled) não é aqui considerada aceitável (ver nota de rodapé 7). [26]↩︎
Um PPA (Power Purchase Agreement) é um contrato de longo prazo entre um produtor de energia renovável e um comprador, no qual o comprador se compromete a adquirir energia a um preço fixo durante a vigência do contrato.↩︎
Por exemplo, uma empresa pode comprar eletricidade a um fornecedor que se compromete a adquirir uma unidade de eletricidade diretamente a um produtor renovável por cada unidade que vende à empresa.↩︎
Segundo a EPA dos EUA: US EPA: “Certificados de Energia Renovável não associados (Unbundled RECs) referem-se a RECs que são vendidos, entregues ou comprados separadamente da eletricidade. Os RECs não fornecem entrega física de eletricidade aos clientes e, como tal, o cliente está a adquirir energia a uma entidade diferente daquela que lhe vende o REC”. [27]↩︎
Para mais informações sobre como fazer este tipo de análise, ver, por exemplo, a Energy Information Administration.↩︎
Se não for possível determinar com razoável certeza a fonte de energia, esta não pode ser confirmada como renovável e, por isso, deve ser registada como não renovável para efeitos desta avaliação.↩︎
Um fator de emissão pode ser definido como: a taxa média de emissão de um determinado GEE para uma determinada fonte, em relação a unidades de atividade. [31] Exemplos incluem kg CO2e por quilómetro percorrido ou kg CO2e por kWh gerado.↩︎
Para simplificar, utilizamos a designação REC para incluir também outros instrumentos contratuais semelhantes.↩︎
Segundo a EPA dos US: “Certificados de Energia Renovável não associados (Unbundled RECs) referem-se a RECs que são vendidos, entregues ou comprados separadamente da eletricidade. [Estes] não fornecem entrega física de eletricidade aos clientes e, como tal, o cliente está a adquirir energia a uma entidade diferente daquela que lhe vende o REC.” [27] Por contraste, um REC é considerado associado (bundled) se for vendido em conjunto com a eletricidade correspondente.↩︎
Em muitas jurisdições, existem dois mercados de RECs – um mercado de cumprimento e um mercado voluntário. Os mercados de cumprimento são concebidos para que as empresas fornecedoras de eletricidade possam transacionar RECs com o objetivo de cumprir metas governamentais de energia renovável. Por oposição, os mercados voluntários destinam-se a consumidores de energia (como empresas) que queiram comprar e vender RECs.↩︎
Os defensores dos RECs afirmam que estes servem para aumentar o interesse, tanto dos fornecedores como dos consumidores, em soluções de mercado, e que rejeitar esta abordagem na totalidade pode desencorajar esse envolvimento.↩︎