2. Delimitar o âmbito de avaliação e responsabilidade
2.1 Definir corretamente os limites da empresa
Implicações na estrutura da empresa
Antes de se tentar avaliar a sustentabilidade Future-Fit em relação a um objetivo específico, é importante determinar o que deve ser incluído: por exemplo, se um determinado trabalhador deve ser considerado colaborador, ou se um determinado local está sob controlo da empresa.
O desafio de definir o que está dentro ou fora do âmbito de avaliação não é exclusivo do referencial (Benchmark). Esta questão tem sido amplamente debatida no direito societário, especialmente na definição de limites de responsabilidade, conceção de quadros fiscais e elaboração de relatórios financeiros.
Infelizmente, não existe uma resposta simples. Por exemplo, se uma empresa autonomiza uma divisão, mas continua a adquirir 90% do que essa divisão produz, poderá não haver qualquer alteração relevante para as comunidades ou ecossistemas envolventes — em comparação com quando a divisão ainda fazia parte da empresa. No entanto, os dois cenários podem ter implicações diferentes na aplicação do referencial (Benchmark). Diferentes estruturas empresariais (sociedades anónimas, parcerias, franquias, joint ventures, etc.) também podem afetar a forma como uma empresa se descreve a si própria, às suas divisões, aos seus fornecedores e clientes.
A forma jurídica da empresa pode ter um impacto significativo na sua capacidade de controlar ou influenciar entidades relacionadas. O referencial (Benchmark) reconhece essa realidade, nomeadamente através da sua definição clara de responsabilidade mútua. Ainda assim, certas alterações na estrutura da empresa — como alienar uma unidade de negócio mas continuar a depender de um processo intensivo em recursos — podem ser utilizadas para “manipular” o sistema. Uma empresa pode, em conformidade com as regras de reporte vigentes, utilizar esse tipo de alteração para deslocar os seus impactos negativos para fora do seu âmbito formal. O resultado poderá ser uma melhoria aparente nos indicadores de progresso para a sustentabilidade Future-Fit, sem qualquer redução real nas externalidades causadas pela sua existência.
Este não é um problema exclusivo do Future-Fit Business Benchmark, mas sim uma limitação de qualquer abordagem que procure avaliar os impactos ambientais e sociais de empresas ao longo de toda a sua cadeia de valor. O objetivo A política de aprovisionamento salvaguarda a prossecução da sustentabilidade Future-Fit ajuda a dar resposta a este desafio no que respeita às externalidades associadas à cadeia de fornecimento — mas não é uma solução completa.
A equipa Future-Fit reconhece o potencial impacto da estrutura societária na forma como a sustentabilidade Future-Fit é reportada. No futuro, irá colaborar com o seu Conselho de Desenvolvimento, composto por empresas globais e investidores, para garantir que esta questão cause o mínimo de confusão possível quando se pretende comparar o progresso relativo de diferentes empresas.
Atribuição de responsabilidades em iniciativas colaborativas
Quando se trata de atribuir a responsabilidade por iniciativas colaborativas — ex.: determinar a proporção dos impactos de uma joint venture pela qual cada parceiro é responsável — o referencial (Benchmark) baseia-se nas abordagens utilizadas no setor financeiro.
Para grupos empresariais, parcerias, franquias e joint ventures, a empresa deve procurar replicar a abordagem que já utiliza para efeitos de contabilidade financeira. Isto permitirá à empresa determinar se deve excluir determinados impactos, incorporá-los integralmente ou incluir apenas uma fração, ao calcular a sua sustentabilidade Future-Fit.
Nos casos em que não seja possível tratar os impactos e externalidades partilhados de forma coerente com os métodos contabilísticos aplicáveis às atividades que os geram, devem ser utilizados os princípios de consolidação e equivalência patrimonial sugeridos pelas Normas Internacionais de Relato Financeiro (IFRS), para estabelecer os limites de reporte. Nos casos em que uma empresa detém uma participação superior a 50% numa entidade, ou em que exerce controlo efetivo sobre as suas operações, todos os impactos dessa entidade devem ser incorporados na avaliação da sustentabilidade Future-Fit da empresa. Nos casos em que a empresa detém uma participação minoritária numa entidade e não exerce controlo efetivo sobre a sua atividade, deve ser incorporada apenas uma fração dos impactos dessa entidade, proporcional à sua participação acionista. [194] [195] [196]
Exemplo: A Acme Inc. detém 25% da Beta Co. Durante o período de reporte, a Acme utiliza 100.000 kWh de energia nas suas operações, dos quais 50.000 kWh são provenientes de fontes renováveis. A Beta Co. utiliza 10.000 kWh de energia no mesmo período, sendo que 8.000 kWh provêm de fontes renováveis. Para o objetivo A energia provém de fontes renováveis, a Acme deverá adicionar 25% dos totais da Beta Co. aos seus próprios valores para calcular o seu indicador de progresso.
\[Acme\:(operações\:próprias)=\frac{E_{Renovável}}{E_{Total}}=\frac{50,000}{100,000}=50\%\] \[Acme\:(com\:Beta)=\frac{50,000+(25\%*8,000)}{100,000+(25\%*10,000)}=\frac{52,000}{102,500}\approx51\%\]
Nos casos em que o conceito de “propriedade” não é aplicável (ex.: quando várias empresas contribuem financeiramente para um projeto pertencente à comunidade), a empresa deve determinar a sua quota-parte dos resultados com base na contribuição que fez para os custos do projeto.
Exemplo: A Acme Inc. e a Beta Co. lançam um projeto de limpeza de zonas húmidas e procuram entender como atribuir entre si os impactos positivos e externalidades decorrentes da iniciativa. A Acme contribuiu com 60.000 dólares em numerário para promover o projeto junto de voluntários e pagar aos organizadores, enquanto a Beta contribuiu com 40.000 dólares em maquinaria e materiais. Os materiais não serão reutilizáveis pela empresa após o projeto — o seu valor total será consumido. Embora o conceito de propriedade não se aplique neste caso, e partindo do princípio de que o controlo do projeto será delegado aos organizadores e voluntários, as empresas podem utilizar as respetivas contribuições financeiras para calcular a sua proporção nos resultados obtidos:
\[Acme=\frac{Valor_{Contribuição}}{Custo_{Total}}=\frac{60,000}{100,000}=60\%\] \[Beta=\frac{Valor_{Contribuição}}{Custo_{Total}}=\frac{40,000}{100,000}=40\%\]
2.2 Determinar quem é considerado ‘colaborador’
É importante assegurar que os Objetivos de Limite Mínimo relacionados com o bem-estar dos colaboradores sejam aplicados de forma consistente e justa às pessoas que contribuem para o sucesso da empresa.
A ambição do referencial (Benchmark) relativamente aos colaboradores é garantir que todos os trabalhadores — tanto no seio da empresa como ao longo das suas cadeias de fornecimento — tenham a sua saúde protegida, recebam pelo menos um salário digno, tenham condições contratuais justas, não sejam alvo de discriminação e possam expressar livremente quaisquer preocupações relacionadas com o seu bem-estar. O desempenho relacionado com os trabalhadores da cadeia de fornecimento está abrangido pelo objetivo A política de aprovisionamento salvaguarda a prossecução da sustentabilidade Future-Fit.
No entanto, quando se trata de pessoas que contribuem diretamente para as atividades de uma empresa, a situação nem sempre é clara, pois existem muitos tipos diferentes de relações laborais entre uma organização e as pessoas que nela aplicam o seu tempo e conhecimento. Torna-se, por isso, necessário determinar quem deve ser incluído na avaliação dos Objetivos de Limite Mínimo relativos aos colaboradores e quem deve ser considerado parte de uma organização externa, ficando assim abrangido pelo objetivo da política de aprovisionamento.
A recomendação base é que as empresas utilizem a mesma designação de “colaborador” que aplicam para efeitos fiscais, sempre que tal seja aplicável.
Quando esta recomendação não for suficientemente clara — ou quando a designação fiscal de colaborador variar entre diferentes operações da empresa — podem ser utilizadas as perguntas seguintes para ajudar a determinar se uma pessoa deve ser considerada colaboradora ou prestadora de serviços (contratante):265
Quem controla o horário, o local e os métodos de trabalho?
- Se a empresa tiver o direito de definir um horário que o trabalhador deve seguir, ou o direito de determinar como o trabalho deve ser realizado, isso é mais consistente com uma relação de colaborador.
- Se o trabalhador for responsável pela entrega do resultado, mas (quando aplicável) tiver o direito de escolher onde e quando o trabalho é realizado, bem como de determinar os métodos utilizados para atingir esse resultado, isso é mais consistente com uma relação contratual (prestador de serviços).
Quem tem o potencial para beneficiar com o trabalho – ou assume o risco se este falhar?
- As empresas normalmente pagam aos colaboradores um salário fixo ou um valor variável pelo trabalho realizado, e assumem o risco de conseguir — ou não — obter retorno suficiente para tornar a atividade rentável.
- Os prestadores de serviços (contratantes) tendem a fazer os seus próprios investimentos em custos fixos e variáveis — como comprar materiais com o seu próprio capital ou investir em marketing para atrair clientes — o que significa que estão expostos à possibilidade de incorrer em prejuízo, mas também podem beneficiar com o lucro.
- Uma forma útil de representar este conceito é observar quem é o proprietário das ferramentas ou dos equipamentos utilizados para executar o trabalho: se os equipamentos pertencerem à empresa, é esta que assume o risco do investimento — o que indica uma relação de colaborador/empregador. Um verdadeiro prestador de serviços independente raramente recebe as ferramentas e os equipamentos necessários para realizar o trabalho.
O trabalhador depende financeiramente da empresa?
- Os prestadores de serviços tendem a trabalhar para várias empresas clientes (ou, pelo menos, a ter essa opção), o que significa que a sua estabilidade financeira não depende exclusivamente de um único cliente. Se um indivíduo obtém 90% ou mais do seu rendimento de uma única empresa, isso é mais indicativo de que se trata de um colaborador, e não de um prestador de serviços.
Qual foi a intenção original de ambas as partes?
- A empresa e o trabalhador tinham a intenção de estabelecer uma relação laboral ou uma relação contratual? Se a empresa ofereceu benefícios normalmente associados a uma relação de trabalho (como participação num plano de saúde, licença remunerada, acesso a descontos corporativos), isso indica que a relação tem, na sua essência, natureza laboral.
Avaliação dos elementos de prova
Quando as autoridades legais tomam decisões com base nos fatores acima referidos, avaliam o conjunto da evidência disponível e procuram sinais de que foi seguida uma abordagem coerente na tomada de decisão. Por isso, recomenda-se que as empresas documentem o seu raciocínio e, em caso de dúvida, consultem especialistas, como advogados especializados em direito laboral ou fiscalistas com experiência em tributação de empresa.
2.3 Distinguir entre impactos operacionais e de produto
Os Objetivos de Limite Mínimo distinguem os impactos operacionais e os impactos de produto (relacionados com bens e serviços), porque se aplicam diferentes graus de responsabilidade a cada um.
Enquanto cada empresa é plenamente responsável por eliminar os impactos negativos associados às suas atividades operacionais (ex.:, garantir que todos os resíduos operacionais são eliminados), nenhuma empresa consegue controlar totalmente as ações dos seus clientes. O que pode fazer é assegurar que os impactos negativos podem ser evitados quando os bens e serviços que oferece são utilizados conforme previsto. Os utilizadores também devem agir de forma responsável, pelo que ambas as partes são mutuamente responsáveis pela eliminação dos impactos negativos associados aos produtos (ex.: a empresa deve garantir que todos os seus produtos podem ser reaproveitados — mas não que o reaproveitamento ocorra de facto).266
No entanto, a prestação de certos bens e serviços envolve um grau significativo de atividade operacional contínua por parte da empresa, pelo que nem sempre é óbvio a que objetivo um impacto específico deve ser associado. Exemplos disso incluem:
- Um prestador de serviços de logística, em que o transporte de bens é simultaneamente uma atividade operacional e o meio principal de geração de receita;
- Um proprietário de ativos especializados (ex.: maquinaria complexa), cujo uso tem impacto e que são operados pela própria empresa em nome dos clientes, como parte de um serviço gerido;
- Um operador hoteleiro, cujas instalações são utilizadas diretamente pelos clientes (para alojamento), mas cuja gestão diária é realizada pela empresa.
Nestes casos, é importante que os impactos negativos sejam tratados de forma consistente e não sejam contabilizados duas vezes. As secções seguintes oferecem orientações sobre como reconhecer corretamente determinados tipos de impacto.
Impactos operacionais
Um impacto negativo deve ser classificado como operacional se ocorrer durante a produção ou prestação de um bem ou serviço, e se for — pelo menos em parte — modificável ou evitável pela empresa.
- Por exemplo, um utilizador de um serviço de mobilidade partilhada não consegue normalmente influenciar as caraterísticas dos veículos utilizados (como o tipo de combustível ou o seu desempenho). Esses fatores permanecem sob controlo da empresa que presta o serviço. Assim, quaisquer substâncias nocivas emitidas pelos veículos devem ser tratadas ao abrigo do objetivo BE05: As emissões operacionais não causam danos a pessoas nem ao ambiente.
- Por exemplo, uma hóspede de um hotel pode tentar reduzir o seu consumo de energia durante a estadia, mas é o operador do hotel que é responsável pela origem da energia (produção ou aquisição). Assim, as emissões de GEE resultantes do uso de energia pelo hotel devem ser tratadas ao abrigo do objetivo [BE06: As operações não emitem gases com efeito de estufa. BE06: As operações não emitem gases com efeito de estufa.
Impactos de produto
Um impacto negativo deve ser classificado como relacionado com o produto se se verificar qualquer uma das seguintes três condições:
1. O controlo do produto passou para as mãos de um terceiro antes267 de o impacto ocorrer, o que significa que a extensão do impacto deixa de estar sob influência da empresa.
- Por exemplo, se um fabricante de mobiliário utilizar embalagens transitórias para transportar os produtos até ao retalhista, é o retalhista quem passa a controlar o destino dessas embalagens após a sua utilização. Assim, qualquer desperdício gerado por essas embalagens deve ser tratado ao abrigo do objetivo BE19: Os produtos podem ser reaproveitados.
2. No momento da transação do produto, o impacto deixa de ser modificável, quer pela empresa, quer pela entidade que o recebe.
- Por exemplo, se uma empresa imobiliária constrói e vende um edifício num terreno virgem (greenfield), qualquer impacto sobre os ecossistemas locais já estará “fixado” quando o comprador se muda. Assim, qualquer impacto relacionado com a presença física do edifício deve ser tratado ao abrigo do objetivo BE17: Os produtos não causam danos a pessoas nem ao ambiente.
3. O impacto resulta de bens físicos que não geram receita diretamente, mas que são disponibilizados a terceiros como suporte às atividades comerciais.
- Por exemplo, se uma marca de consumo fornece materiais promocionais de exposição a lojas, ou oferece brindes a novos clientes, o facto de esses bens serem “gratuitos” não altera o potencial de causarem impacto negativo. Assim, qualquer impacto prejudicial causado por bens não geradores de receita deve ser tratado ao abrigo do objetivo BE17: Os produtos não causam danos a pessoas nem ao ambiente.
Caso especial: o que fazer quando a empresa vende os seus ativos
Uma empresa pode, ocasionalmente, gerar receita com a venda de um ativo que não faz parte do seu modelo de negócio principal. Isto pode incluir, por exemplo, a venda de uma unidade de produção, de um escritório ou de um equipamento de grande dimensão. Dado que este tipo de transação não é considerado receita de produto, quaisquer impactos associados ao ativo devem ser contabilizados apenas como impactos operacionais enquanto o ativo estiver na posse da empresa, e não no âmbito dos objetivos relativos aos produtos.
Mesmo aplicando os critérios acima referidos, algumas situações podem continuar ambíguas. Sempre que houver dúvida, os impactos devem ser classificados como operacionais e não como relacionados com produtos, de forma a garantir que a empresa assume total responsabilidade pela sua resolução.
2.4 Avaliar a sustentabilidade Future-Fit de empresas subsidiárias
Os indicadores de progresso de alguns Objetivos de Limite Mínimo baseiam-se na existência e substância de políticas e processos da empresa. Isto pode levantar questões sobre como calcular o nível de sustentabilidade Future-Fit de uma subsidiária, especialmente quando esta tem pouca influência sobre as políticas definidas pela empresa-mãe. A resposta simples é que a subsidiária deve avaliar objetivamente as políticas que tem em vigor, independentemente da sua autoridade para as alterar.
Exemplo: Considere-se uma subsidiária cuja empresa-mãe tenha estipulado os níveis salariais para cada categoria profissional em todo o grupo, resultando no pagamento de valores abaixo do salário digno a colaboradores de níveis mais baixos. Neste caso, poderá não ser possível à subsidiária pagar a totalidade dos salários de acordo com esse critério, mesmo que o deseje fazer. Ao avaliar o objetivo BE11: Os colaboradores recebem, pelo menos, um salário digno, a subsidiária deve calcular o seu indicador de progresso com base na realidade da situação. A melhor forma de melhorar o desempenho, neste caso, seria a subsidiária advogar junto da empresa-mãe no sentido de rever a sua política salarial.
Bibliografia
Estas considerações são uma adaptação daquelas utilizadas pela Agência Tributária do Canadá [197] e do teste Borello [198], aplicado pelo Estado da Califórnia para determinar se um trabalhador deve ser considerado colaborador ou prestador de serviços para efeitos legais ou fiscais.↩︎
A distinção entre os conceitos de responsabilidade total e responsabilidade mútua constitui um dos fundamentos metodológicos do referencial (Benchmark). Para mais informações, consultar o the Guia de Metodologia.↩︎
Isto inclui utilizadores finais, clientes empresariais (ex.: inputs de produto fornecidos a fabricantes ou produtos finais fornecidos a grossistas), ou outras organizações a quem é transferido o controlo (ex.: prestadores de serviços logísticos).↩︎