3. Onde estamos hoje: uma visão sistémica
Peter Senge
3.1 Porque é que o pensamento sistémico é fundamental
Há 250 anos, viviam na Terra menos de mil milhões de pessoas.
Naquela época, os recursos do planeta - e a sua resiliência face à nossa procura – deviam parecer ilimitados.
Por isso, não é de estranhar que a economia clássica - que data desse período - não tivesse em conta que vivemos num mundo finito e com recursos limitados. Esta visão moldou a forma como fazemos negócios há gerações: produzir, consumir e descartar cada vez mais, sem ponderar nas consequências a longo prazo.
Atualmente, somos 7,5 mil milhões de pessoas, e estima-se que mais 2 mil milhões se juntem a nós até 2050.
A industrialização e o crescimento acelerado têm deixado marcas profundas. A produtividade agrícola sofre com fenómenos meteorológicos cada vez mais extremos, impulsionados pelas alterações climáticas. A água potável é escassa em muitas zonas. Alguns recursos naturais, outrora abundantes, são agora mais difíceis e mais caros de obter. A confiança nas instituições está a diminuir, enquanto a desigualdade aumenta. Reconhecendo a dimensão destas crises (Figura 3.1), os governos de todo o mundo uniram esforços em 2015, para lançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas (ONU): um apelo à ação para todos, desde os Estados às empresas (Figura 3.2).
O nosso sistema económico está quebrado.
Em termos simples, o nosso sistema económico falha em satisfazer as necessidades de centenas de milhões de pessoas em todo o mundo. Além disso, a forma como fazemos negócios está a degradar os serviços planetários dos quais dependemos enquanto espécie: ar limpo, água potável, biodiversidade rica, estabilidade climática, acesso a matérias-primas, etc.
É necessária uma resposta sistémica.
O chamado Triple Bottom Line [1], ou seja, Pessoas, Planeta e Lucro, nunca foi tão relevante. Mas temos de repensar o que isso significa verdadeiramente. Os desafios globais que enfrentamos são extremamente complexos e interdependentes. Em suma, são sistémicos - e para os enfrentar temos de adotar uma abordagem baseada em pensamento sistémico.
Figura 3.1: Este “Donut” representa o espaço operacional seguro para a humanidade: uma fundação social de bem-estar, abaixo da qual ninguém deveria cair; e um teto ecológico de pressão planetária, que não devemos ultrapassar. Fonte: Doughnut Economics. [2]
As empresas só prosperam se a sociedade e a natureza também prosperarem.
Os negócios só podem prosperar numa sociedade forte. E a sociedade, por sua vez, só pode prosperar se as suas necessidades forem satisfeitas por um ambiente natural saudável. Estas relações, melhor descritas como dependências aninhadas, são fundamentais para compreendermos o funcionamento da economia global.
Devemos aceitar estas interdependências sistémicas, se quisermos identificar exatamente como - e em que medida - precisamos de mudar a forma como fazemos negócios. Só assim conseguiremos alcançar os ODS e colocar-nos no caminho certo para uma Sociedade Future-Fit: socialmente justa, economicamente inclusiva e ambientalmente restaurativa.
A tarefa que temos pela frente é enorme.
O nosso sistema económico é intrinsecamente imperfeito e está a levar-nos rapidamente na direção errada. Ajustes marginais não serão suficientes para resolver o problema.
Em vez disso, é essencial preparar e incentivar todos os agentes económicos a promover mudanças rápidas e radicais de forma coordenada. E isso exige repensar de forma profunda o que significa criar valor no século XXI. É por aí que vamos começar.
Figura 3.2: Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU.
| Objetivo de Desenvolvimento Sustentável | |
|---|---|
| Erradicar a pobreza Erradicar a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. |
|
| Erradicar a fome Erradicar a fome, alcançar a segurança alimentar, melhorar a nutrição e promover a agricultura sustentável. |
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| Saúde de qualidade Garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades. |
|
| Educação de qualidade Garantir o acesso à educação inclusiva, de qualidade e equitativa, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos. |
|
| Igualdade de género Alcançar a igualdade de género e empoderar todas as mulheres e raparigas. |
|
| Água potável e saneamento Garantir a disponibilidade e a gestão sustentável da água potável e do saneamento para todos. |
|
| Energias renováveis e acessíveis Garantir o acesso a fontes de energia fiáveis, sustentáveis e modernas para todos. |
|
| Trabalho digno e crescimento económico Promover o crescimento económico inclusivo e sustentável, o emprego pleno e produtivo e o trabalho digno para todos. |
|
| Indústria inovação e infraestruturas Construir infraestruturas resilientes, promover a industrialização inclusiva e sustentável e fomentar a inovação. |
|
| Reduzir as desigualdades Reduzir as desigualdades no interior dos países e entre países. |
|
| Cidades e comunidades sustentáveis Tornar as cidades e comunidades inclusivas, seguras, resilientes e sustentáveis. |
|
| Produção e consumo sustentáveis Garantir padrões de consumo e de produção sustentáveis. |
|
| Ação climática Adotar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e os seus impactos. |
|
| Proteger a vida marinha Conservar e usar de forma sustentável os oceanos, mares e os recursos marinhos para o desenvolvimento sustentável. |
|
| Proteger a vida terrestre Proteger, restaurar e promover o uso sustentável dos ecossistemas terrestres, gerir de forma sustentável as florestas, combater a desertificação, travar e reverter a degradação dos solos e travar a perda de biodiversidade. |
|
| Paz, justiça e instituições eficazes Promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas a todos os níveis. |
|
| Parcerias para a implementação dos objetivos Reforçar os meios de implementação e revitalizar a Parceria Global para o Desenvolvimento Sustentável. |
3.2 Uma visão sistémica da criação de valor
Todos sabemos que é preciso agir.
Se não forem enfrentados, os desafios globais atuais colocam em risco os processos naturais da Terra, o nosso tecido social e a atividade económica no seu todo. Isto cria um enorme imperativo moral para a ação coletiva.
Cada vez mais líderes empresariais reconhecem a necessidade de repensar o seu modelo de atuação. Também os investidores começam a perceber que os seus portefólios estão expostos a riscos que não estão preparados para antecipar. Então, o que impede o mundo empresarial de mobilizar os seus consideráveis recursos para promover mudanças rápidas e radicais?
Não existe uma resposta única. Muitos CEOs e conselhos de administração sentem-se pressionados a concentrar-se nos ganhos de curto prazo, em vez de criarem valor sustentável a longo prazo. Muitos investidores têm dificuldade em olhar para além dos resultados do trimestre seguinte. Os governos têm sido lentos a ajustar incentivos e regulamentações às exigências dos desafios globais. E, com tantas questões sérias a disputar a atenção das empresas, torna-se difícil focar no que realmente importa.
Todos estes fatores são sintomas de um problema maior no nosso sistema económico: uma visão míope do que significa criação de valor, que não reconhece nem recompensa os verdadeiros agentes de mudança.
A criação de valor para os acionistas estava, desde a origem, condenada ao fracasso.
Ainda não há muito tempo, considerava-se que o único propósito das empresas era criar valor para os acionistas – mesmo que isso ocorresse à custa de outras partes interessadas, incluindo o meio ambiente. Quanto mais uma empresa fosse capaz de privatizar os ganhos e socializar os prejuízos, mais bem-sucedida se tornaria.
Já na década de 1970, começaram a surgir provas de que esse comportamento não é sustentável num planeta finito com uma população em rápido crescimento. [3]
A Criação de Valor Partilhado (CSV) reformulou o ‘fazer o bem’ como uma oportunidade.
Há alguns anos, foi cunhado o termo ‘Criação de Valor Partilhado’ (Creating Shared Value – CSV) [5], para descrever como as empresas podem continuar a centrar-se principalmente no desempenho financeiro, identificando formas de gerar lucro onde a sua atividade principal se cruza com problemas sociais.
Enquanto a RSE era frequentemente vista como mais um custo associado à atividade empresarial, a CSV apresenta ‘fazer a coisa certa’ como uma oportunidade de crescimento. E, claro, é uma oportunidade – desde que saibamos o que realmente significa ‘fazer a coisa certa’. É aí que reside o desafio.
As empresas de hoje operam num mundo de sistemas complexos e interligados - mercados, comunidades, ecossistemas, etc. – onde as noções lineares de causa e efeito deixam de fazer sentido. Qualquer ação numa área pode ter consequências indesejáveis noutra. Uma empresa que adote uma abordagem CSV pode - em boa consciência - procurar resolver um problema, mas acabar por criar outro. Serão estes compromissos aceitáveis? Talvez. Mas como podemos ter a certeza, se nem sequer soubermos quais são?
Para compreender plenamente os impactos de uma empresa – positivos e negativos – temos de pensar em termos de Criação de Valor Sistémico.
Nenhuma decisão empresarial está isenta de potenciais soluções de compromisso. Mas uma abordagem baseada em sistemas permite identificar questões que, de outra forma, passariam despercebidas. Isto permite antecipar, evitar ou, pelo menos, mitigar os impactos negativos.
Este tipo de tomada de decisão holística deve tornar-se a norma, se quisermos evitar - e eventualmente reverter - os danos causados aos sistemas naturais e ao tecido social. É isto que se pretende dizer com Criação de Valor Sistémico (Creating System Value) (Figura 3.3).
O Future-Fit Business Benchmark foi desenvolvido especificamente para ajudar as empresas a pôr este conceito em prática. O primeiro passo para o seu desenvolvimento foi examinar os contextos sistémicos que moldam o mundo empresarial atual.
Figura 3.3: Repensar a criação de valor através de uma lente sistémica.
3.3 Uma visão sistémica do mundo
O que é um sistema?
Um sistema pode ser definido como um conjunto de elementos interrelacionados e interdependentes, que funcionam em conjunto com um propósito comum. [6]
No entanto, o propósito de um sistema nem sempre é evidente. O que um sistema efetivamente faz pode não corresponder ao que foi originalmente planeado, ou ao que as pessoas presumem que ele faz. Por isso, para evitar confusões entre o comportamento intencional e o real, os cientistas de sistemas tendem a definir o propósito de um sistema simplesmente como “aquilo que ele faz”. [7]
Como funcionam os sistemas?
Todo o sistema opera dentro de um contexto mais amplo, pois a sua existência depende de outros sistemas à sua volta e, ao mesmo tempo, pode influenciá-los.
Para cumprir o seu propósito, um sistema transforma um ou mais recursos (inputs) em resultados imediatos (outputs). Para compreendermos como isso acontece, podemos pensar num sistema como composto por quatro níveis, em que cada um influencia o seguinte: 1
- Fatores impulsionadores (Drivers): Forças sobre o sistema que surgem do contexto envolvente. Estas forças influenciam o que o sistema pode fazer e, simultaneamente, moldam o seu propósito.
- Estrutura: Os elementos físicos do sistema e a forma como estão organizados, permitindo executar os processos necessários para adquirir recursos (inputs) e transformá-los em resultados imediatos (outputs).
- Padrões de comportamento: A forma como o sistema atua ao longo do tempo. Estes padrões são frequentemente emergentes: resultam da interação entre as várias partes do sistema e não podem ser previstos apenas observando cada parte isoladamente.
- Resultados alcançados (Outcomes): As mudanças que ocorrem, tanto no próprio sistema como nos que o rodeiam, que resultam da sua existência. Isto inclui os efeitos (intencionais ou não) do consumo de recursos (inputs) e da produção de resultados imediatos (outputs).
Estes quatro níveis de sistema são frequentemente representados como camadas sucessivas de um icebergue, com os fatores impulsionadores na base. Isto porque, nos sistemas reais, muitas vezes, apenas o nível superior – os resultados alcançados - é visível (ver Figura 3.4).
Mais à frente voltaremos a este modelo, para nos ajudar a identificar um conjunto abrangente de resultados desejáveis e mensuráveis que uma Sociedade Future-Fit deve alcançar.
Figura 3.4: O modelo do sistema iceberg.
Mas antes, devemos considerar o mundo como uma rede interligada de sistemas.
O que são sistemas naturais?
Um sistema natural é aquele que existe na natureza, independentemente de qualquer intervenção humana. [8] Ao mais alto nível, a Terra compreende quatro sistemas naturais interdependentes: a atmosfera, litosfera, hidrosfera e biosfera. [9]
A biosfera - que engloba toda a matéria viva - pode ainda ser descrita como um conjunto vasto e diversificado de ecossistemas. Todos os organismos vivos são, eles próprios, sistemas. Para simplificar, a partir deste ponto, referimo-nos frequentemente a esta rede de sistemas naturais como o ambiente.
O que são sistemas sociais?
Um sistema social é uma rede padronizada de inter-relações entre pessoas, grupos e instituições, que forma um todo coerente. [10]
A sociedade, no seu conjunto, é uma rede multifacetada de sistemas sociais interdependentes (ver Figura 3.5). De facto, quando falamos de aspetos de grande escala da sociedade, utilizamos frequentemente o termo ‘sistema’ de forma explícita: sistema jurídico, sistema de transportes, sistema económico global, etc.
A um nível mais granular, os sistemas sociais incluem desde cidades e agregados familiares até universidades e, naturalmente, empresas.
O que um sistema social faz - e, por conseguinte, os resultados que procura obter - depende do seu papel na sociedade. Um governo eficaz, por exemplo, presta serviços aos cidadãos, através da manutenção de infraestruturas críticas, como a educação e a saúde. Uma empresa produz bens e serviços, cuja venda gera rendimentos financeiros para os seus proprietários, proporciona aos seus trabalhadores uma fonte de rendimento e apoia o desenvolvimento contínuo do negócio. Um dos resultados esperados de uma escola é a formação de indivíduos habilitados, capazes de aplicar os seus conhecimentos, contribuindo nas atividades de outros sistemas sociais.
A sociedade só pode ser Future-Fit se todos os sistemas sociais forem Future-Fit.
Cada sistema social depende de muitos outros – e também os pode influenciar. Para que a sociedade avance rumo à sustentabilidade Future-Fit, cada sistema social deve cumprir o seu papel nessa transição. Mas o que é que isso significa, exatamente? Como deve agir um sistema social para que possamos seguir uma trajetória comum em direção a um futuro socialmente justo, economicamente inclusivo e ambientalmente restaurativo?
Para responder a esta questão, é necessário analisar os três contextos-chave em que todos os sistemas sociais operam: o ambiental, social e económico.
Figura 3.5: A sociedade é uma rede multifacetada de sistemas sociais interdependentes, todos eles totalmente dependentes de um ambiente saudável.
3.4 O contexto ambiental
A Terra desempenha três funções ecológicas fundamentais para a sociedade.
Em primeiro lugar, a Terra mantém sistemas essenciais de suporte à vida.
Toda a vida depende de processos naturais que evoluíram ao longo de milhões de anos. Entre outras funções, estes processos regulam a qualidade do ar e da água e o clima, permitem o crescimento das culturas agrícolas, protegem contra tempestades e mantêm a biodiversidade.
Em segundo lugar, a Terra fornece-nos as matérias-primas e energia.
Com exceção da nossa “renda solar” (energia proveniente do sol), todos os nossos recursos vêm da Terra. Muitos recursos naturais, como os peixes ou as árvores, são renovados ao longo do tempo, graças aos sistemas de suporte à vida acima referidos. Mas se os explorarmos em excesso ou demasiado depressa (como no caso da desflorestação ou da sobrepesca), comprometemos a capacidade da natureza de os regenerar.
Os minerais extraídos da crosta terrestre são recursos finitos. Uma vez utilizados, alguns deixam de estar disponíveis para sempre (por exemplo, os combustíveis fósseis). Outros (como certos metais) podem, em teoria, continuar a ser utilizados indefinidamente, desde que sejam recuperados após a sua utilização.
Em terceiro lugar, a Terra assimila resíduos.
O resíduo é uma caraterística exclusiva dos sistemas humanos: na natureza, toda a matéria (como plantas ou animais mortos) é absorvida e decomposta por outros organismos.
Atualmente, existem dois tipos de resíduos que estão a causar grandes problemas:
- Substâncias criadas pelo ser humano que não existem naturalmente – e para as quais a natureza não desenvolveu mecanismos de decomposição inofensiva (como os plásticos ou os CFCs)
- Substâncias que existem na natureza, mas que são libertadas em quantidades ou de formas que perturbam o equilíbrio natural (como o dióxido de carbono na atmosfera ou compostos de azoto nos oceanos)
Ambos os tipos de resíduos podem afetar o ambiente química ou fisicamente, por exemplo, através da introdução de toxinas nas cadeias alimentares, ou da retenção de calor na atmosfera. Ao fazê-lo, interferem diretamente com os sistemas de suporte à vida dos quais dependemos.
Os sistemas sociais neste contexto.
Atualmente, os sistemas sociais têm um impacto profundo nas três funções ecológicas essenciais da Terra.
Nenhum sistema social pode sobreviver sem energia, água potável e uma vasta gama de bens derivados de recursos naturais, que têm de ser extraídos, cultivados ou colhidos da natureza. Estes recursos são obtidos e transformados de várias formas, mas quase todas as cadeias de valor seguem um método linear de extrair-produzir-descartar. Em cada etapa, os nossos métodos de produção e consumo resultam, geralmente, em subprodutos indesejados, que são capturados e tratados como resíduos, ou que escapam para a natureza como poluição. Em ambos os casos, perde-se o valor intrínseco que os recursos naturais originais poderiam ter tido para a sociedade.
Todos os sistemas sociais têm também uma presença física, desde campos agrícolas e edifícios, até uma vasta gama de infraestruturas de apoio. E a nossa crescente necessidade de espaço está a exercer uma pressão cada vez maior sobre o mundo natural, limitando a sua capacidade de satisfazer as nossas necessidades.
Nota de precaução: Capital Natural
Os recursos planetários dos quais beneficiamos são, por vezes, descritos como capital natural. Esta terminologia pode levar à conclusão errónea de que podemos substituir os serviços prestados pela natureza por outros tipos de capital (como o capital financeiro ou manufaturado). Mas muitos recursos naturais - ar puro, solo fértil - são essenciais à vida e não têm substitutos. Dito isto, o termo capital natural pode ser útil, se o entendermos como um ativo gerador de valor. Não devemos esgotar o capital natural, mas podemos viver dos seus ‘juros’.
3.6 O contexto económico
O que uma abordagem sistémica nos pode dizer sobre ‘crescimento’ e ‘valor’?
O crescimento económico pode - e deve - continuar?
Pergunte a políticos, investidores ou CEOs se o crescimento é “bom” e o seu sim será provavelmente tão enfático como o não que ouviríamos de ambientalistas preocupados.
Esta polarização de opiniões não acontece porque uns se importam com a sociedade e outros não, mas sim o facto de terem perspetivas diferentes sobre o que significa, na prática, crescimento. Para reconciliar estas visões, precisamos de olhar para o crescimento através de uma lente sistémica.
Existem quatro tipos de crescimento económico.
Numa perspetiva sistémica, podemos distinguir quatro tipos de crescimento económico: [16]
- Tipo 1 - Crescimento do fluxo biofísico: Refere-se à quantidade de matérias-primas que extraímos do ambiente e de resíduos que devolvemos. Num planeta finito, não é possível um crescimento ilimitado deste tipo.
- Tipo 2 - Crescimento da produção e do consumo: Trata-se da quantidade de bens e serviços que circulam na sociedade, aquilo que o Produto Interno Bruto (PIB) mede, grosso modo. Este tipo de crescimento não é intrinsecamente mau. Por exemplo, à medida que a população cresce, é necessário produzir e consumir mais alimentos.
- Tipo 3 - Crescimento do bem-estar económico: Representa a capacidade e a oportunidade de as pessoas terem uma vida plena - e, em particular, o grau em que conseguem satisfazer as suas necessidades básicas (ver Figura 3.6). Existe uma forte relação entre este tipo de crescimento e o tipo 2 - mas não é uma relação direta nem automática.
- Tipo 4 - Crescimento dos recursos naturais: Trata-se da quantidade de biomassa (peixe, madeira, etc.) que se regenera através de processos naturais como a fotossíntese, e da saúde das funções do ecossistema (água potável, solo fértil, etc.) que permitem essa regeneração. Este tipo de crescimento aumenta a disponibilidade de matérias-primas para o nosso consumo e enriquece os sistemas naturais de que dependemos.
Os crescimentos dos tipos 3 e 4 são, inequivocamente “bons”, pois contribuem diretamente para a resolução de muitos dos desafios globais mencionados anteriormente, desde a desigualdade social à segurança alimentar. Já o crescimento do tipo 1 é problemático, pois estamos a colocar demasiada pressão sobre os sistemas naturais da Terra (ver Figura 3.7).
Quanto ao tipo 2, o crescimento da produção pode agravar problemas existentes (por exemplo, causando a destruição dos ecossistemas) e o consumo excessivo pode ser igualmente prejudicial (como no caso dos produtos descartáveis, que geram grandes volumes de resíduos não recicláveis).
A nossa procura de crescimento está mal orientada.
Atualmente, a economia global centra-se quase exclusivamente no crescimento, na produção e no consumo de tipo 2, independentemente de como (e em que medida) está ligado aos outros três tipos. Porquê? Porque o dinheiro muda de mãos quando bens e serviços são comprados e vendidos - e o nosso sistema económico evoluiu para tratar o retorno financeiro e a criação de valor como se fossem a mesma coisa.
Figura 3.7: De uma perspetiva sistémica, existem quatro tipos de crescimento económico.
Para compreender porquê, podemos recorrer ao modelo do iceberg introduzido anteriormente (ver Figura 3.4). A busca pelo crescimento do PIB é um dos principais motores da nossa economia, uma vez que praticamente todas as grandes nações têm procurado maximizar esta métrica, desde o pós-Segunda Guerra Mundial. [17] Esta lógica moldou as estruturas e os padrões de comportamento que os sistemas sociais apresentam atualmente.
Uma das formas em que isto se manifesta é no esforço dos bancos centrais e governos para “fazer crescer a economia”, através de ajustes nas taxas de juro e outros mecanismos, tentando constantemente afinar os padrões de empréstimo e consumo para manter um crescimento constante. Outra forma é como as empresas procuram constantemente o caminho legalmente mais barato para atingir os seus objetivos, mesmo que isso implique gerar resíduos, sobre-explorar recursos naturais, usar práticas criativas para pagar menos impostos, ou subcontratar trabalho para regiões com normas laborais menos exigentes.
Estes impactos negativos não ocorrem porque os decisores ignoram as preocupações sociais e ambientais, mas porque o contexto económico em que operam não estimula, de forma eficaz, os resultados certos.
Sistemas sociais neste contexto.
Numerosas empresas, cidades e outras entidades estão a dar o exemplo ao procurar resultados alinhados com o Triple Bottom Line, mas os seus sucessos são frequentemente alcançados apesar do sistema e não por causa dele. Iniciativas com claros ganhos ambientais ou sociais são frequentemente aceites, apenas se também trouxerem claros ganhos financeiros. Isto acontece porque os fatores de impulso de um sistema influenciam tudo o que este faz e como o faz. Enquanto o nosso sistema económico continuar a perseguir apenas o PIB (ou seja, o crescimento do tipo 2), os resultados restaurativos continuarão a ser a exceção e não a norma. O crescimento do tipo 2 só é desejável se conseguirmos dissociá-lo do crescimento do tipo 1, e na medida em que contribuir para o crescimento dos tipos 3 ou 4 - aumentando o bem-estar ou regenerando os sistemas naturais.
É isto que significa “bom crescimento”, e precisamos de reorientar o nosso sistema económico para o reconhecer e recompensar. Não existe um botão mágico que possamos premir para o fazer, mas um novo paradigma de crescimento pode emergir ao longo do tempo, se os sistemas sociais trabalharem em conjunto - para transformar as normas sociais, a governação global, as infraestruturas partilhadas e os mecanismos de mercado - de modo a que “fazer o que está certo” se torne o caminho de menor resistência - e de maior recompensa - para todos os agentes económicos.
3.7 Repensar o nosso lugar no mundo
Temos de transformar os resultados degenerativos em resultados regenerativos.
Todos os sistemas sociais devem assumir o seu papel na transição que se avizinha.
Vimos que a sociedade é uma rede vasta e interligada de sistemas sociais. Atualmente, as atividades destes sistemas sociais estão a contribuir para uma série de resultados degenerativos: enfraquecem sistematicamente a integridade do mundo natural e do tecido social de que dependemos. Se queremos trilhar uma via comum para o sucesso, temos de transformar estes resultados degenerativos em resultados regenerativos.
Sintetizando o que aprendemos sobre os contextos ambiental, social e económico, a Figura 3.8 propõe uma forma de caraterizar as atividades de cada sistema social com base em áreas de foco. Todos os impactos que um sistema social pode ter sobre o mundo – sejam intencionais ou não, positivos ou negativos – encaixam numa destas oito áreas.
No próximo capítulo, identificamos o que constitui um resultado regenerativo adequado para cada uma dessas áreas, com o objetivo de definir as Propriedades de uma Sociedade Future-Fit.
Figura 3.8: Estas oito áreas de foco abrangem todas as formas como um sistema social pode afetar o mundo à sua volta.
| Área de foco | Descrição |
|---|---|
| Energia | Qualquer sistema social – independentemente do seu propósito – necessita de energia e água e depende de recursos naturais, mesmo que apenas indiretamente, através da utilização de bens deles derivados. |
| Água | |
| Recursos naturais | |
| Presença física | Qualquer sistema social tem alguma forma de presença física (por exemplo, edifícios, campos, estradas). |
| Poluição | Qualquer sistema social gera, normalmente, subprodutos não intencionais, como resultado das suas atividades. Alguns são geridos como desperdício, enquanto outros escapam sob a forma de poluição. |
| Resíduos/Desperdício (Waste) | |
| Pessoas | Qualquer sistema social depende das pessoas: indivíduos e grupos que participam nas suas atividades e são afetados pela sua existência. |
| Fatores impulsionadores | A estrutura, os padrões de comportamento e os resultados de qualquer sistema social são influenciados pelos contextos em que opera. |
Bibliografia
Existem muitas maneiras de descrever como os sistemas operam. Esta seção baseia-se amplamente na caracterização de um sistema feita por Donella Meadows, no seu livro de 2009, Thinking in Systems: A Primer. [6]↩︎
Essa compreensão de bem-estar está alinhada com The Capability Approach, pioneira do economista e filósofo Amartya Sen. A ênfase aqui não está em maximizar o bem-estar subjetivo, mas em garantir que as pessoas tenham a capacidade de alcançar o tipo de vida que consideram valiosa. [11]↩︎
Esta distinção entre necessidades básicas e superiores baseia-se na Hierarquia de Necessidades de Maslow. [12]↩︎